Decisão do Supremo Tribunal Austríaco no processo OGH 18 OCg 9/19a: Indeferimento do pedido de anulação de uma decisão arbitral com base na ordem pública austríaca
Publicações: novembro 26, 2020
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Introdução
Em 15 de janeiro de 2020, o Supremo Tribunal austríaco analisou a questão de saber se uma decisão arbitral definitiva sobre o mérito violava a ordem pública austríaca (Processo: OGH 18 OCg 9/19a). A arbitragem subjacente foi conduzida de acordo com as regras do Centro Arbitral Internacional de Viena (VIAC) com sede em Viena. O requerido não obteve sucesso na sentença do tribunal de 17 de maio de 2019 (Processo: AZ SCH-5533) e procurou anular a sentença, solicitando ao Supremo Tribunal austríaco que a anulasse por dois motivos distintos, nomeadamente: (1) uma violação do seu direito a ser ouvido; e (2) uma violação da ordem pública austríaca formal.
Factos
A alegação do requerido de vício na sentença arbitral VIAC subjacente baseou-se na não inclusão de provas e no cancelamento de uma audiência oral programada sobre o mérito.
Numa teleconferência realizada em 17 de setembro de 2018, as partes acordaram em realizar uma audiência oral entre 7 e 10 de janeiro de 2019, com a presença de testemunhas. A conferência telefónica constituiu o calendário processual acordado e lançou as bases da primeira ordem processual do tribunal arbitral. A demandada (o "autor" no processo do Supremo Tribunal) nomeou duas testemunhas em 4 de outubro de 2018, mas não apresentou os seus depoimentos escritos. A apresentação de um depoimento escrito de testemunhas era - de acordo com a primeira ordem processual - um pré-requisito para ouvir potenciais testemunhas numa audiência oral. O tribunal arbitral informou as partes, em 19 de outubro de 2018, que realizaria uma audiência de dois dias dentro do prazo acordado, tendo posteriormente anunciado, em 3 de dezembro de 2018, que a audiência teria lugar em 9 e 10 de janeiro de 2019. Em 14 de dezembro de 2018, a requerida anunciou que não poderia estar presente na audiência devido a outras obrigações profissionais, pelo que solicitou que a audiência fosse reagendada. Em 15 de dezembro de 2018, o tribunal arbitral indeferiu o pedido de adiamento da audiência apresentado pela requerida, com o fundamento de que o pedido da requerida tinha sido apresentado "demasiado tarde". Por correio eletrónico datado de 21 de dezembro de 2018, a requerida solicitou novamente o reagendamento da audiência para que as suas testemunhas pudessem ser ouvidas.
Em 2 de janeiro de 2019, o tribunal arbitral decidiu cancelar a audiência agendada para 9 e 10 de janeiro de 2019 e determinar o mérito da causa com base nas alegações escritas anteriormente apresentadas. A este respeito, o tribunal arbitral considerou que a audiência era desnecessária, uma vez que o requerido não tinha apresentado quaisquer declarações escritas de testemunhas e também se tinha recusado a comparecer na data acordada. O tribunal arbitral emitiu então a sua sentença em 17 de maio de 2019 sem realizar uma audiência oral.
O requerente procurou anular a sentença e baseou-se no § 611 Paras. 2 (2) e (5) do Código de Processo Civil austríaco ("Zivilprozessordnung" ou "ZPO"), alegando uma violação do seu direito a ser ouvido e da ordem pública austríaca formal.
Decisão
O Supremo Tribunal julgou improcedente o pedido, considerando que não houve violação da ordem pública austríaca com base nos factos apresentados pelo requerente. O Tribunal declarou que os fundamentos para a anulação só estão preenchidos se os valores fundamentais do sistema jurídico austríaco, incluindo os princípios de um processo ordenado, tiverem sido violados. A este respeito, é decisivo o resultado da decisão arbitral e não a fundamentação do tribunal arbitral. Na sua decisão, o Tribunal considerou dois pontos: (1) a anulação da audiência; e (2) a não inclusão de provas/testemunhas.
No que diz respeito à audiência, o Tribunal reafirmou a jurisprudência constante e considerou que só a ausência total de arbitragem equivale a uma violação do direito a ser ouvido[1]. A data fixada pelo tribunal arbitral estava dentro do prazo acordado pelas partes e ambas as partes tiveram tempo suficiente para se oporem à marcação da audiência. Referindo-se às circunstâncias de facto em causa, o Tribunal considerou que a decisão do tribunal arbitral de indeferir o pedido do requerente para adiar e, posteriormente, cancelar a audiência não violou os princípios básicos do direito processual austríaco e o direito de ser ouvido nos termos do § 611, n.º 2 (2) do ZPO.
No que diz respeito à não inclusão das testemunhas, o Tribunal voltou a referir-se à jurisprudência constante e considerou que a não inclusão das provas requeridas não conduz, por si só, à anulação de uma decisão arbitral[2]. Os valores fundamentais do direito processual só teriam sido violados se o tribunal arbitral tivesse actuado de forma arbitrária. O Tribunal considerou ainda que, devido à falta de depoimentos escritos das testemunhas, era razoável que o tribunal arbitral presumisse que a prova testemunhal não seria apresentada e que, por conseguinte, o tribunal não actuou de forma arbitrária ao determinar que não era necessária uma audiência oral.
O Tribunal referiu-se, contudo, ao § 598 do ZPO que estabelece que: Salvo acordo em contrário das partes, o tribunal arbitral decide se as audiências são orais ou se o processo deve ser conduzido por escrito. Se as partes não tiverem excluído a realização de uma audiência oral, o tribunal arbitral deve realizar essa audiência numa fase adequada do processo, se tal for solicitado por uma das partes."[3] Por outras palavras, uma vez que uma audiência oral não foi explicitamente excluída pelas partes, e uma vez que o requerente apresentou de facto um pedido de audiência oral, então o tribunal arbitral deveria, em teoria, ter realizado uma audiência oral. A este respeito, o Tribunal recordou também uma decisão anterior para confirmar que a não realização de uma audiência oral pode ser considerada uma violação do direito processual austríaco fundamental que conduz à anulação de uma decisão arbitral[4].
No entanto, o Tribunal considerou que a violação do princípio consagrado no artigo 598.º do ZPO apenas resultava, neste caso, numa violação "regular" e não "obrigatória" da ordem pública austríaca formal, sendo esta última necessária para anular uma decisão arbitral. Decisivo para esta avaliação foi o facto de o pedido do requerente de uma audiência oral ter sido apresentado após o prazo processual acordado. Curiosamente, o Tribunal observou que, nos termos do direito processual austríaco, se um tribunal estatal fosse confrontado com as mesmas circunstâncias factuais, o respetivo tribunal estatal seria, em contrapartida, obrigado a realizar uma audiência oral, mesmo que considerasse que essa audiência era desnecessária.
Em conclusão, o Supremo Tribunal considerou que a decisão arbitral não violava o direito do requerido a ser ouvido (§ 611, n.º 2 (2) do ZPO) nem os valores fundamentais do sistema jurídico austríaco (§ 611, n.º 2 (5) do ZPO) e, por conseguinte, indeferiu o pedido do requerente de anulação da decisão arbitral.
Comentário
O Supremo Tribunal determinou mais uma vez que a exceção de ordem pública só pode ser utilizada nos casos mais extraordinários. Esta decisão do Supremo Tribunal vem juntar-se à longa lista de casos em que um pedido de anulação de uma decisão arbitral foi indeferido, e serve para recordar o elevado limiar do Supremo Tribunal austríaco para determinar potenciais violações da ordem pública austríaca.
Interessante neste caso particular, contudo, é a abordagem do Supremo Tribunal Austríaco ao avaliar a conduta de um tribunal arbitral em comparação com a de um tribunal estatal. Como referido, o Supremo Tribunal considerou que, se as circunstâncias factuais deste caso fossem aplicadas a um processo estatal, teria ocorrido uma violação da ordem pública austríaca. Por conseguinte, pode argumentar-se que a decisão do Supremo Tribunal a este respeito foi contraditória, levantando simultaneamente a questão de saber se, e em que medida, a conduta dos tribunais arbitrais e dos tribunais estatais deve ser avaliada segundo os mesmos critérios.
Recursos
- Processo do Supremo Tribunal Austríaco OGH 18 OCg 3/16i.
- Processo do Supremo Tribunal Austríaco OGH 18 OCg 2/16t.
- § 598 ZPO.
- Processo do Supremo Tribunal Austríaco OGH 7 Ob 111/10i.