Áustria: Apanhado entre cláusulas de seleção de foro contraditórias: Conclusões de um recente acórdão do Supremo Tribunal austríaco
Publicações: maio 21, 2021
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A autonomia das partes é uma parte integrante e uma caraterística que define a arbitragem. A liberdade de celebrar consensualmente convenções de arbitragem constitui, sem dúvida, uma das razões mais atractivas para a escolher como mecanismo de resolução de litígios. No entanto, é sobretudo em contextos de conflito entre cláusulas de arbitragem e de seleção do foro que podem surgir controvérsias. Até à data, os tribunais têm adotado abordagens divergentes a este respeito, atribuindo alguns deles superioridade às cláusulas de arbitragem e outros aplicando uma abordagem diferenciada, num esforço para determinar a relação e o âmbito das cláusulas contraditórias consideradas.
Na Áustria, o Supremo Tribunal avaliou recentemente a validade de uma convenção de arbitragem, que continha duas cláusulas de seleção do foro coexistentes, mas contraditórias (3 Ob 127/20b).
O caso centrava-se no pedido do requerente de 1) uma sentença declarativa relativa a um contrato de compra e venda celebrado em 2015 e 2) o reembolso de um preço de compra parcial já pago. O contrato em causa incluía uma cláusula de arbitragem, bem como um acordo sobre o local de jurisdição relativo a um tribunal estatal de Moscovo.
Quando surgiu um litígio relacionado com o contrato de compra e venda, o Demandante optou por não prosseguir com o processo arbitral e, para além do previsto na cláusula de jurisdição, intentou uma ação judicial na sede do Demandado (Viena, Áustria) nos termos da lei. Apesar de nenhuma das cláusulas ser exclusiva, o Demandante alegou que o seu carácter contraditório as tornava ineficazes e que o facto de intentar a ação num terceiro foro não constituía uma violação das disposições contratuais.
Antecedentes
Os tribunais de primeira e segunda instância julgaram improcedente o pedido do requerente, considerando que a ação não podia ser intentada na Áustria por falta de competência em razão da matéria.
Ambos os tribunais reconheceram que a existência de duas cláusulas contraditórias não prejudicava necessariamente a validade da convenção de arbitragem. Uma vez que nenhuma delas previa a competência exclusiva dos tribunais estatais, devem ser tratadas como cláusulas legítimas coexistentes. Como tal, foi dada uma resposta afirmativa ao direito do requerente de escolher entre duas instâncias.
No entanto, também se considerou que a competência tinha de ser recusada, uma vez que o contrato previa que o litígio fosse resolvido através do recurso à arbitragem ou do recurso a um tribunal estatal de Moscovo. Além disso, os tribunais estabeleceram que uma apreciação relativa à competência exigia que as convenções de arbitragem fossem consideradas ex officio.
O requerente contestou o parecer jurídico dos tribunais inferiores em ambos os aspectos.
Questão e decisão do Supremo Tribunal
O argumento central das alegações dos Requerentes está relacionado com a redação das disposições contratuais. Ao preverem duas cláusulas de foro incoerentes, as partes concordaram, sem dúvida, que deveriam ser aplicadas leis contraditórias. Segundo o queixoso, a intenção das partes não podia ser inequivocamente deduzida do acordo, pelo que ambas as cláusulas deviam ser consideradas inválidas e deviam ser aplicadas as normas legais.
O Supremo Tribunal austríaco considerou que o parecer jurídico dos tribunais inferiores devia ser confirmado pelas seguintes razões
- A existência de cláusulas de jurisdição e de convenções de arbitragem contraditórias no mesmo documento não invalida a convenção de arbitragem;
- A coexistência deve ser negada desde que a convenção estipule que um tribunal estatal deve ter competência exclusiva, independentemente da cláusula de arbitragem;
- Na apreciação da competência, a redação da cláusula compromissória deve, portanto, ser cuidadosamente examinada. O facto de nenhuma das duas cláusulas ter sido redigida como exclusiva, o Requerente tinha o direito de votar e eleger qualquer um dos dois foros acordados por contrato;
- A seleção de diferentes leis substantivas não prejudicou a validade do contrato, uma vez que podem ser aplicadas, alternativa ou cumulativamente, várias leis aplicáveis à mesma questão de direito ou circunstâncias de facto;
- As convenções de arbitragem válidas devem produzir efeitos ex officio.
Comentário
Este caso apresenta uma questão peculiar, mas recorrente, que surge quando os contratos contêm uma cláusula de arbitragem, mas também prevêem uma cláusula de seleção do foro. A tentativa de conciliar esta tensão confronta os tribunais com a necessidade de aplicar cuidadosamente os princípios de interpretação dos contratos e de uma forma que dê expressão e reconheça a eminência das intenções das partes.
A decisão do Supremo Tribunal austríaco torna claro que, embora possa haver uma inclinação geral para dar preferência a acordos de escolha de lei, a existência de uma cláusula de foro contraditória não conduz à sua invalidade. Pelo contrário, desde que não se preveja a competência exclusiva dos tribunais estatais, ambas as cláusulas podem coexistir.
Quando confrontados com cláusulas de conflito de jurisdição, os profissionais são aconselhados a adotar uma abordagem contextual para determinar qual poderá ter sido a intenção presumida e razoável das partes, olhando assim para além da redação do contrato, mas tendo em conta as circunstâncias existentes no momento da redação. As controvérsias são facilmente evitadas através da inclusão de disposições que indiquem inequivocamente qual a cláusula que deve ter preferência em caso de conflito e que minimizem a aplicabilidade da cláusula de seleção do foro a um determinado número de litígios abrangidos pela jurisdição local.
O conteúdo deste artigo tem como objetivo fornecer um guia geral sobre o assunto. Deve ser procurado aconselhamento especializado sobre as suas circunstâncias específicas.
